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Pelotas, RS, Brazil
Atriz, aventurando em produções artísticas independentes e dependentes. Bacharel em Interpretação Teatral (UFSM). Professora de Séries Iniciais (Magistério). Gestora Geral do Teatro do Chapéu Azul - Realizações culturais. Idealizadora do PIQUENIQUE CULTURAL e do FESTIVAL DE INVERNO DE PELOTAS. Há também o CENARUA - festival de Artes Cênicas na Rua em parceria com a Dalida Artísticas Produções.Estudou Desenho Industrial e Vestuário - não se formou, mas aprendeu bastante. Aprendiz de cartomancia, astrologia, numerologia e algumas outras "ias". Fala demais. Ri e chora quando necessário. Não se conforma com algumas coisas no mundo. Já tentou se envolver em política, religião e futebol. Cozinha bem. Gosta de beijos longos e abraços quentes. Nunca saiu do Brasil, mas quer dar umas voltinhas. Pouco saiu do RS. Morou 9 anos em Santa Maria/RS. Gosta de escrever e cantar. É filha única. O ócio a interessa também.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

A morte do cão

Hoje eu vi aquele episódio de Os Simpsons: Cão de Morte (nº 54, 3ª temporada).

Nele, o Ajudante de Papai Noel, cachorro dos Simpsons, fica doente e necessita de uma cirurgia cara.
Para pagar o tratamento, cada membro da família economiza em algumas coisas. A cirurgia é feita e o cachorro fica curado.
No entanto, todos os Simpsons sofreram algum tipo de dano devido às economias feitas. Quando o cachorro volta para casa, eles estão com raiva por causa disso e deixam de dar atenção a ele.

Numa noite, ninguém fecha o portão, mesmo sabendo que o Ajudante do Papai Noel pode fugir.
E ele foge.
(Essa sequência é ótima, pois aparece o cachorro por entre bosques, salvando crianças de incêndios, atravessando rios, trepando, matando um urso. Ou seja, ele vive mil aventuras)
Depois de certo tempo ele é capturado pela carrocinha de Springfield.
O Sr. Burns, que queria substituir um de seus cães de guarda ferozes, escolhe o Ajudante do Papai Noel para ser seu novo cachorro. Mas o cachorro não é nem um pouco feroz. Sr. Burns parte para uma lavagem cerebral, tornando-o um sanguinário.
Com a fuga do cachorro, os Simpsons se dão conta da falta que ele faz na família e decidem procurá-lo.
Bart resolve bater em todas as portas atrás do Ajudante. Ao chegar a casa do Sr. Burns, Bart dá de cara com seu cachorro. Mas ele está mudado e vem correndo com os olhos de monstro pra cima de seu antigo dono.
Nesse instante, Bart está apavorado e grita, olhando fundo nos olhos feios do cão: O que é isso, cara, eu te amo!
Aí vem a parte mais tri do filme! A sequência de lembranças do cachorro em relação a Bart é maravilhosa: Bart dando comida a ele por debaixo da mesa, andando de skate com ele amarrado pelo pescoço acompanhando...
Por fim, o cachorro volta pra casa e é tratado como um rei.
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Tá, eu sou uma besta mesmo, mas chorei vendo esse episódio - só eu mesmo...
Mas não é bem assim...
Eu também tive um Ajudante de Papai Noel. Chamava-se Linda.
E era linda mesmo! Viveu quase 15 anos e sua morte foi como se um buraco negro se abrisse na minha frente. Só me conformei porque ela estava velhinha. O ápice de sua doença cancerígena foi terrível. Em um mês ela definhou e na sua última noite ficava parada em frente a uma parede olhando pro nada. Dramático.
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Eu ainda morava em Pelotas. Eu tinha 16 anos e ela, 4. Um dia cheguei em casa depois das aulas ( sim, eu freqüentava aulas nessa época, dois cursos, estudava manhã, tarde e noite - por isso hoje eu me vingo...). Minha mãe havia dado a Linda. Tive um troço. Chorava desesperada. Afinal, minha mãe deixou bem claro que aquilo era resultado da minha negligência com o bicho - talvez ela tivesse razão, dessa parte não lembro bem, hehehe...

Minha mãe me disse que havia dado o bicho pra um feirante que havia estado na minha rua naquele dia.
Não tive dúvida! Era uma segunda-feira. Na terça, me acordei às 5 da matina e liguei numa rádio AM que dava o itinerário das feiras livres daquele dia. Anotei tudo e parti, de bicicleta, atrás dos feirantes que haviam estado na minha rua no dia anterior.
Resumo: logo encontrei os feirantes que eu procurava, mas um deles havia faltado naquele dia. Sem problemas. Quarta-feira lá estava eu para falar com o homem, do outro lado da cidade.
Não, ele não tinha levado cachorro nenhum. E eu chorei mais ainda. Na frente do cara, no ônibus de volta pra casa, na frente das minhas colegas, das professoras, do mundo inteiro, enfim.

Minha mãe, irredutível, só vendo meu sofrimento.
Tanto infernizei que ela abriu o jogo: havia dado a Linda pra um acompanhante de uma criança doente do hospital onde ela trabalhava. Ela tinha algumas informações sobre o endereço do cara.
No outro dia, fomos atrás - ela também estava com saudades.
Resumo: não encontramos. E olha que eu gritei na rua, bati em casas... NADA!
Voltei desalmada. Um buraco no peito, no cérebro, no cu, em tudo. Eu era um buraco ambulante.
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Passou-se um mês mais ou menos. Lembranças, choros e velas e nada da cadela...

Estou eu bem bela na janela do meu apartamento quando passa um mandinho vizinho meu. Ele grita:
- Ô Aline, o que a Linda tá fazendo lá no Obelisco?
Quase caí dura, quase voei pela janela, não conseguia raciocinar. Obelisco era o bairro onde eu a havia procurado sem sucesso.

Munida de uma mochila, uma lista telefônica com um mapa, comida, boné e tudo mais, parti em busca da cadela. O guri me deu o lugar certinho onde ela estava.
Fui de ônibus (dois), mas teria que voltar a pé com ela. Era longe, mas dava.
Cheguei no lugar, meu coração saltando pela boca. Gritei, gritei chamando e NADA! O lugar descrito pelo piá conferia. Cadê ela?

De repente, eu já quase desistindo... Ela aparece, num pátio. Quando nos vimos - eu nunca vou esquecer - foi mágico. Eu já comecei a chorar na hora, me agarrando no bicho por entre as grades.
Quando a dona da casa apareceu deve ter pensado que eu era uma louca. Chorando compulsivamente, me agarrava no pescoço da cadela.
A mulher ficou assustada. Eu só dizia: Vim buscar minha cachorra.
Nem perguntava nada pra mulher: era ELA e ela era minha e eu dela e pronto!
A mulher rapidamente concordou em me devolver a cachorra. E eu me fui, feliz. Eu voei!

Aí vinha o problema: atravessar a cidade com o bicho. Mas eu carregaria ela nas costas se ela se cansasse. Não estava nem aí pra nada. Não havia empecilho nenhum. Só felicidade e um coração sorrindo!
Só que o sol estava forte. Os lugares por onde eu passaria para cortar caminho não eram muito aconselháveis pra uma adolescente (mesmo protegida por seu cão)... Mas a gente foi.

No meio de uma estrada praticamente deserta, passa um FIAT 147. Não tive dúvidas: pedi carona. Pararam. Era um casal representante de vendas. Vendiam papel de seda e fumo nos butecos das vilas em volta. Contei minha história, eles se comoveram e lá fomos nós, eu e a Linda, no banco de trás do carro. Passei por, no mínimo, 20 butecos. Butecos mesmo. Tábua e chão batido, casebres.
Como eles iam pro meu bairro, estava tudo certo.
Depois de umas quatro horas sacolejando no 147, finalmente chegamos.
Melhor: no bar que ficava embaixo do meu apartamento (eu morava numa Cohab, a pior da cidade, o temido Pestano - hehehe).
Quando minha mãe chegou do serviço também chorou de alegria. E me agradeceu.
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Vivemos felizes, as três, até eu vir pra Santa Maria, em 2000.
Em 2005 minha mãe veio morar aqui também e eu pude aproveitar por uns dois anos o amor sincero da Linda.

Às vezes sonho com ela. Nesses sonhos eu a abraço bastante e, mesmo sabendo que ela está morta, chego a sentir seus pêlos pretos roçando em mim. E, nesses sonhos, eu sou feliz de novo.
Depois eu choro um pouquinho.
Mas não muito, porque, como diz a Marge no desenho: Existe o céu dos cachorros.

Eu ando fazendo umas cachorradas pra ver se vou pra lá um dia.
Mas - como não tenho pressa - no dia de sua passagem pro céu dos cachorros, cortei uns pêlos pretos para uma eventual clonagem.

Linda aos 14 anos, vivendo em Santa Maria.



PS. Eu avisei que falava pra caralho!